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domingo, 5 de junho de 2011

Peruanos vão hoje às urnas entre os 'fantasmas' de Chávez e Fujimori



Sem uma opção de centro, classe média do Peru deve escolher entre alternativas populares da esquerda, encarnada por Humala, e da direita, representada por Keiko; espectro do fim da prosperidade e retrocesso da democracia ronda o país

05 de junho de 2011

0h 00

Fernando Gabeira - O Estado de S.Paulo

          "Quando é que o Peru "se estrepou"?" Em tradução livre, é essa uma das frases de abertura do livro A Cidade e os Cachorros, que lançou o romancista Mario Vargas Llosa no cenário internacional. Muitos peruanos se perguntam se as eleições de hoje um dia servirão de resposta a uma pergunta desse tipo.

         Em manifestação, eleitores defendem voto em Humala para impedir vitória de Keiko: lemas de campanha são ‘Fujimori nunca mais’ e ‘fora Chávez’

             Polarizada entre dois candidatos, a conservadora Keiko Fujimori e o esquerdista Ollanta Humala, as eleições peruanas no segundo turno foram também uma batalha de assombrações. O ex-presidente Alberto Fujimori, pai de Keiko, e o venezuelano Hugo Chávez, antigo aliado de Humala, são apenas duas encarnações desses fantasmas.
             O ex-presidente peruano, que está preso e condenado a 25 anos de prisão, representa o autoritarismo, o desrespeito aos direitos humanos que teria, entre outras coisas, esterilizado 300 mil mulheres pobres. Sem contar a corrupção que dominou seu governo. Já Chávez representa o fantasma de uma guinada para a esquerda, a democracia plebiscitária e a censura à imprensa.
             Dois grandes intelectuais peruanos, o próprio Vargas Llosa e Hernando de Soto, defensores respectivamente de Humala e Keiko, tentam dissipar os fantasmas em torno de seus candidatos. Para o primeiro intelectual, Humala deslocou-se para o centro do espectro político desde 2006. Isso tornou sua candidatura mais viável para os peruanos que querem mudanças.
             "O nacionalismo de Humala é algo sentimental, mas que não implica o fechamento ao capital estrangeiro nem hostilidade a outros países", diz Álvaro Vargas Llosa, filho do escritor.
              De Soto, por sua vez, afirma que a candidata da direita garantiu que não repetiria nenhum dos erros do pai e seguirá seu próprio caminho: "Nada interessa mais aos pobres do que torná-los proprietários, fazer do Peru um país de proprietários. É a maneira de aceder à riqueza já que o Estado não oferece quase nada".
              Economia em questão. O próximo presidente peruano deve se deparar com um problema urgente de ordem econômica: a manutenção da desigualdade, apesar do crescimento contínuo nos últimos anos. A questão já provoca consequências políticas em regiões como Puno, onde a população, indígena na maioria, rebela-se contra a exploração mineral.
              "Keiko propõe uma grande mesa de negociação. A ideia de tornar proprietário não se resume ao título. Todos são proprietários do Peru. E a questão que está em jogo são os recursos hídricos dos indígenas, um dos temas mais complexos", afirma De Soto.
               Olhando o palanque dos dois, no último dia de campanha, vê-se que Humala reuniu em torno dele os principais movimentos sociais, à semelhança do PT no Brasil. O palanque de Keiko era visivelmente mais técnico. O candidato derrotado Juan Pablo Kuczynski, também um tecnocrata, observou no seu discurso que era o único de terno e gravata ao lado de Keiko. "Vamos unir a cabeça ao coração", disse.
                Com a ligação interoceânica, uma estrada de 2 mil quilômetros entre Acre e Ilo, na Costa do Pacífico, tende a crescer no país a parceria com o Brasil.

Dois peruanos revelam o estado de divisão do país.

                David, um ex-policial, comprou um carro e hoje atende a executivos no aeroporto de Lima. "Voto em Keiko porque temo que o progresso seja interrompido." Juan, que trabalha fazendo bicos, afirmou que votaria em Humala, pois o "país está bem e é uma boa hora para mudanças"
               O conjunto da propaganda vai na direção do que esperam. Ambos os candidatos querem manter o crescimento da economia e retirar da pobreza 10 milhões de peruanos, um terço do país.
O caminho de Humala é o de uma grande articulação política. O de Keiko Fujimori é o da capacidade técnica e conhecimento do terreno.
               Esquerda e direita foram reduzidos à essa distinção na América Latina? Possivelmente surgirão muitas outras. Os que duvidam das transformações de Humala afirmam que ideias comunistas não mudam. Não percebem que os comunistas aceitam o capitalismo, desde que possam dirigi-lo.
Os que duvidam de Keiko dizem que será uma continuidade do governo de seu pai. Ela reafirmou no comício que não pretende reproduzir os erros do passado. O legado de Fujimori ainda está presente na Constituição que ele reformou para recuperar uma economia enfraquecida e aniquilar um forte movimento terrorista, o Sendero Luminoso.
               Dilema do centro. Dificilmente, se alguém perguntar no futuro quando é que o Peru "se estrepou", como no romance de Vargas Llosa, a resposta estará nessas eleições. Quem diria que uma das estrelas do palanque da esquerda seria o general que prendeu o líder do Sendero Luminoso, Abimael Guzmán?
De qualquer maneira, turbulências são esperadas. O presidente Alan García fez um apelo aos investidores para que continuem confiando nos peruanos.
               Um dos perigos no horizonte manifestado por Álvaro Vargas Llosa é o do próximo presidente tentar capturar as instituições, como Fujimori ou mesmo como Chávez. Sua alternativa para que a justiça permaneça independente à vigilância da população.
             De Soto acha difícil essa hipótese com Keiko, pois ela teve apenas 25% dos votos no primeiro turno.
             Vladimiro Montesinos, ex-chefe de inteligência de Fujimori, também está na cadeia. Mas é mais um fantasma dos muitos que assombraram o processo peruano. Nele, o centro naufragou e as classes medias não têm alternativa exceto optar por uma das vertentes populares, de esquerda ou de direita.