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domingo, 29 de agosto de 2010

Demétro Magonoli Ministério da Utopia

Ministério da utopia

Por Demetrio Magnoli
Doutor em Geografía Humana é investigador del Instituto de Relações Internacionais da Universidad de São Paulo – USP



Intelectuais tendem à utopia, pois ela precisa de uma descrição e eles são seus autores. Isaiah Berlin não está entre os filósofos mais célebres precisamente porque é um pensador antiutópico. “As utopias têm o seu valor – nada amplia de forma tão assombrosa os horizontes imaginativos das potencialidades humanas -, mas como guias da conduta elas podem se revelar literalmente fatais”, anotou Berlin. As utopias almejam a completa realização de um conjunto de premissas, com a exclusão de todas as outras. É um caminho muito perigoso, “pois, se realmente acreditamos que tal solução é possível, então com certeza nenhum preço será alto demais para obtê-la”.



A democracia constitui um sistema político avesso à utopia porque, por definição, rejeita atribuir estatuto de verdade incontestável a qualquer conjunto de premissas ideológicas. Os intelectuais utópicos têm um lugar na democracia – o de instigadores do debate público. Mas o sistema democrático de convivência de ideias contraditórias se estiola quando eles são alçados à posição de sábios oficiais e suas utopias são convertidas em verdades estatais.



Samuel Pinheiro Guimarães, até outro dia secretário-geral do Itamaraty, foi guindado à Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE). No novo cargo, elaborou um documento intitulado O Mundo em 2022, ainda em versão preliminar, que circula no governo e no Itamaraty. Trata-se de um delineamento das tendências do sistema internacional, com propostas de políticas estratégicas do Brasil. Dito de modo direto, é a plataforma de uma utopia ultranacionalista, a ser aplicada num hipotético governo de Dilma Rousseff, que colide com os valores e as tradições da democracia brasileira.



Num texto escrito em português claudicante, o intelectual utópico expõe uma doutrina antiamericana que solicita uma curiosa articulação estratégica entre Brasil, Rússia, Índia e China “para reformar o sistema internacional e torná-lo menos arbitrário”. Os Brics, acrônimo cunhado no interior de um banco de investimentos, constituem um “bloco” apenas na acepção restrita de que seus integrantes passaram a influenciar a governança econômica global. Eles, porém, não compartilham interesses geopolíticos relevantes – uma evidência clamorosa que escapa por completo à percepção de Guimarães, moldada por um obsessivo antiamericanismo.



Os equívocos teóricos pouco significam, perto das prescrições políticas. Nostálgico do “Brasil-potência” dos tempos de Ernesto Geisel, Guimarães atribui ao Estado os papéis de “estimular o fortalecimento de megaempresas brasileiras (…) para que possam atuar no cenário mundial globalizado” e de conduzir um programa de investimentos em pesquisa e desenvolvimento de amplas implicações militares. Os significados desta última proposição podem ser entrevistos na passagem em que o autor define o Tratado de Não-Proliferação Nuclear como o “centro” de um processo ameaçador de “concentração de poder militar”. A leitura do documento oferece indícios sugestivos para a compreensão da lógica subjacente à aproximação entre Brasil e Irã e à operação diplomática brasileira de cobertura do programa nuclear iraniano.



No programa ultranacionalista, ausências falam tanto quanto presenças. Ao longo de 54 itens, não há nenhuma menção aos direitos humanos. Não é surpreendente: um livro de Samuel Pinheiro Guimarães, publicado em 2006, qualificou a defesa dos “direitos humanos ocidentais” como uma forma de dissimular “com sua linguagem humanitária e altruísta as ações táticas das Grandes Potências em defesa de seus próprios interesses estratégicos”. A militância do governo Lula contra a política internacional de direitos humanos – expressa na ONU, em Cuba, no Irã, no Sudão, na China e em tantos outros lugares – não é um fenômeno episódico, mas reflete uma visão de mundo bem sedimentada. Lastimavelmente, as ONGs brasileiras de direitos humanos financiadas pela Fundação Ford trocaram a denúncia de tal militância pela aliança com o governo na difusão da doutrina dos “direitos raciais”.



A utopia regressiva de Samuel Pinheiro Guimarães colide com a Constituição, que veta a busca de armas nucleares e situa a promoção dos direitos humanos no alto das prioridades de política externa do Brasil. Se a sua plataforma política aparecesse na forma de artigo, isso não seria um problema – e, talvez, nem mesmo uma fonte de debates interessantes. As coisas mudam de figura quando ela emerge como documento de Estado, produzido num Ministério encarregado de formular as diretrizes estratégicas do País.



O governo Lula exibe, sistematicamente, inclinação a partidarizar o Estado. A contaminação ideológica da política externa é uma dimensão notória dessa inclinação. Há, contudo, um antídoto contra a doença, que é a supervisão parlamentar das diretrizes estratégicas de política externa. Nos EUA, uma nação presidencialista como a nossa, as prioridades e os orçamentos do Departamento de Estado são submetidos ao crivo do poderoso Comitê de Relações Exteriores do Senado, expressão do controle social, bipartidário, sobre uma política de Estado. O Senado brasileiro tem uma Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. Entretanto, sua gritante ineficácia, que exprime uma carência quase absoluta de poder real, proporciona ao governo as condições para a continuidade da folia ideológica em curso.



A SAE foi concebida como uma jaula dourada para acomodar (e ridicularizar) Roberto Mangabeira Unger, quando ele aderia ao governo que definira como “o mais corrupto da história”. Agora, sob Guimarães, a jaula transforma-se em linha de montagem de uma utopia ultranacionalista que funcionaria como a régua e o compasso da inserção internacional do Brasil. A Nação tem o direito inalienável de se proteger contra o Ministério da Utopia, sujeitando a política externa ao escrutínio democrático dos parlamentares.



Fonte: Jornal “O Estado de S. Paulo” – 05/08/2010

2 comentários:

Samuel disse...

As opiniões do professor Demétrio possuem alguns equívocos, pois não se trata de utopia, ultra nacionalista e coisas do tipo, antes fosse, mas muito ao contrário, trata-se de interesses muito bem definidos que envolvem um conjunto interesses de empresários e grupos brasileiros do setor de construção civil, energia e material de defesa que estão expressas no documento mencionado.

Realmente causa estranheza as afirmações do referido artigo editada no site da Secretaria de Assuntos Estratégicos "O mundo em 2022" no seu item 36 do texto, pois se referem a ações que tem por objetivo estimular o fortalecimento de mega-empresas brasileiras que permitirão capacidade para elaborar e implementar políticas nacionais de desenvolvimento. Depois dessa afirmativa os donos das mega-empresas brasileiras devem estar muito otimistas quanto ao futuro.

Essa perspectivas faz pensar sobre a relação entre o governo e empresas brasileiras. Qual é o tamanho dessa relação e o que ela envolve? Sobretudo os interesses privados ganham uma configuração pública, pois trata-se de um documento da Secretária responsável pela formulação de ações estratégicas para o Brasil.

Sobretudo a transformação de interesses privados em interesse público se estende ao setor de materiais de defesa. No parágrafo 13 do documento O MUNDO EM 2022 existe a previsão de que no campo militar a tecnologia afetará desde a doutrina ao equipamento aumentando a eficiência letal dos equipamentos que proporcionará a quem os tiver ampliação do seu poder dos Estados subdesenvolvidos da periferia. Essa tecnologia permitirá aos países economicamente mais fracos terem o poder de dissuasão frente aos Estados mais fortes.

Dagnino fala até de um grupo formado por empresários, políticos, jornalistas e acadêmicos que não somente defendem, mas fazem um certo lobby para a revitalização da industria de materiais de defesa, chamada por ele de rede de revitalização. Sobre essa tal rede e o documento pode se pensar em algumas coisas, por exemplo, não estaria o documento O Mundo em 2022 no seu parágrafo 13 atendendo aos objetivos desse lobby desse lobby?

Ânus disse...

Realmente, concordo com as idéias colocadas acima por Samuel que suscitam grande lucidez ao debate, levando-o a um nível superior ao proposto por Magnoli que volta seu artigo para confundir e reproduzir de sua parte uma ideologia tão barata e amesquinhando a qual ele se contrapõe superficializando e fugindo ao cerne de uma problemática séria em torno do futuro de nossa sociedade podemos dizer em termos globais, dado a representatividade que hoje tem o Brasil e a América-Latina. É claro que o que se procura fazer com esse documento é antes uma espécie de "revitalização" canhestra da já conhecida idéia cepalina de juntar o estado com suas elites em torno de um sentimento nacional em um momento no qual fica clara a impotência dessa política social-democrata fadada a realizações das mais lamentáveis e apequenadas, não apenas de um partido mais sim de um formato falido, de uma filosofia ultrapassado, esclerosado de pensar o homem a sociedade e suas relações. Vemos mais um triste capitulo dos arranjos políticos administrativos entre os poderosos que estão em vias de empurrar goela abaixo de nossa população e as suas custas de maneira arbitraria suas pretensões de ganhos fáceis e avolumados, fica ainda claro que a elite burguesa nacional encara e sonham com a possibilidade de se tornarem transnacionais e ainda mais poderosas com o suor de milhões de esfomeados. Enfim é triste ver intelectuais como o professor Magnoli que com a pena em suas mãos tem a capacidade de denunciar essas atrocidades, esses abusos absurdos insistir em brigas amesquinhadas e ridículas prestando antes um desserviço a seus leitores e a sociedade.